Ler

Ler sempre.
Ler muito.
Ler "quase tudo".
Ler com os olhos, os ouvidos, com o tacto,
pelos poros e demais sentidos.
Ler com razão e sensibilidade.
Ler desejos, o tempo, o som do silêncio e do vento.
Ler imagens, paisagens, viagens.
Ler verdades e mentiras.
Ler o fracasso, o sucesso, o ilegível, o impensável, as entrelinhas.
Ler na escola, em casa, no campo, na estrada, em qualquer lugar.
Ler a vida e a morte.
Saber ser leitor, tendo o direito de saber ler.
Ler simplesmente ler.

Poema de Edith Chacon Theodoro

Maio

Imagem de Margaret Ballif Simon

Mãe !
Mãe !
Vem ouvir a minha cabeça a contar história ricas que ainda não viajei!
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas !
Tinta cor de sangue, sangue ! verdadeiro, encarnado !
Mãe !
Passa a tua mão pela minha cabeça !
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens !
Eu vou viajar. Tenho sede ! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei,
tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe !
Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado !
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa.
Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe !
Passa a tua mão pela minha cabeça !
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade !

Leilão de Jardim

Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?

(Este é o meu leilão.)

Cecília Meireles