Ode a Olhão

O que eu sinto por ti
Olhão é aquela afeição
Lírica,
Fantasiosa,
Banal,
Prometida em versos rigorosos,
Imponentes,
Servindo mais a métrica
Do que o coração,
O cérebro,
E os sentidos
Do poeta.

Minha terra:
Quando me debruço sobre ti
E oiço os teus queixumes,
As tuas angústias
E o teu pavor pelos invernos
- Gostaria de afagar-te,
Contar-te coisas maravilhosas,
Encher as tuas açoteias
De ouro, de amor e de sonhos.

Minha terra
O suor escorre-te pelo corpo,
em mistura com escamas,
Num dia de Verão
Quando o mar se acalma
E a lua se derrama nas redes molhadas.

António Macheira

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: Fui eu?
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

Poema 17

Pensando, enredando sombras en la profunda soledad.
Tú también estás lejos, ah más lejos que nadie.
Pensando, soltando pájaros, desvaneciendo imágenes,
enterrando lámparas.
Campanario de brumas, qué lejos, allá arriba!
Ahogando lamentos, moliendo esperanzas sombrías,
molinero taciturno,
se te viene de bruces la noche, lejos de la ciudad.

Tu presencia es ajena, extraña a mí como una cosa.
Pienso, camino largamente, mi vida antes de ti.
Mi vida antes de nadie, mi áspera vida.
El grito frente al mar, entre las piedras,
corriendo libre, loco, en el vaho del mar.
La furia triste, el grito, la soledad del mar.
Desbocado, violento, estirado hacia el cielo.

Tú, mujer, qué eras allí, qué raya, qué varilla
de ese abanico inmenso? Estabas lejos como ahora.
Incendio en el bosque! Arde en cruces azules.
Arde, arde, llamea, chispea en árboles de luz.
Se derrumba, crepita. Incendio. Incendio.
Y mi alma baila herida de virutas de fuego.
Quién llama? Qué silencio poblado de ecos?
Hora de la nostalgia, hora de la alegría, hora de la soledad,
hora mía entre todas!

Bocina en que el viento pasa cantando.
Tanta pasión de llanto anudada a mi cuerpo.
Sacudida de todas las raíces,
asalto de todas las olas!
Rodaba, alegre, triste, interminable, mi alma.

Pensando, enterrando lámparas en la profunda soledad.
Quién eres tú, quién eres?

Pablo Neruda, Veinte poemas de amory una canción desesperada

---Pablo Neruda lê o seu poema: Poema 17

Cortesia de http://perso.orange.fr/pablo-neruda/

Poema 16

Paráfrasis a R. Tagore

En mi cielo al crepúsculo eres como una nube
y tu color y forma son como yo los quiero.
Eres mía, eres mía, mujer de labios dulces,
y viven en tu vida mis infinitos sueños.

La lámpara de mi alma te sonrosa los pies,
el agrio vino mío es más dulce en tus labios:
oh segadora de mi canción de atardecer,
Cómo te sienten mía mis sueños solitarios!

Eres mía, eres mía, voy gritando en la brisa
de la tarde, y el viento arrastra mi voz viuda.
Cazadora del fondo de mis ojos, tu robo
estanca como el agua tu mirada nocturna.

En la red de mi música estás presa, amor mío,
y mis redes de música son anchas como el cielo.
Mi alma nace a la orilla de tus ojos de luto.
En tus ojos de luto comienza el país del sueño.


Pablo Neruda, Veinte poemas de amor y una canción desesperada

Pablo Neruda lê o seu poemas : Poema 16

Cortesia de http://perso.orange.fr/pablo-neruda/

Pureza

Nós
jamais ficamos lívidos.
E nascemos tão simples
que o rubor em nossos rostos
não tem sentido
não é possível
nem existe.

É uma fonte de aves o nosso canto
e o grito de capataz
não é sonho inventado
mas existe na manhã cósmica dos cargueiros atracados
e guindastes de duzentas e cinquenta toneladas.

Lívidos
nascem os outros
e o rubor em nossos rostos
não tem sentido nem existe.
Mas o permanente sentido de angústia
nossos corações de negros
faz cada vez mais puro.

José Craveirinha

(da selecção de poemas que acompanha o texto de Jorge de Sena em Poesia de Moçambique I, Minerva Central, 1972; publicado originalmente em A Voz de Moçambique de 31 de Março de 1962)

Poemar

Poemar é amar o mar
Poemar é revestir o ser
Com o próprio pensamento
É trazer à superfície
O subconsciente
É ser vidente
É ser viandante
É amar a dor
E dar calor
Ao frio da noite.
Poemar é dar prazer ao ser
É estar contente
Por poder amar
E poemar é amor
Poemar é amar
Quando ao luar
O mar e a mente se entrelaçam
Quando a dor e o calor se confundem...
Poemar é amor
É amar
É mar
E é dor também

Odete Costa Semedo
Guiné-Bissau

Liberdade





Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

(Interpretado na voz de João Villaret)

Programa

Não faço o que quero
faço o que posso.
E o que posso passa
pelo passo da dificuldade.


Palavras tenho poucas,
duras, despidas estacas,
complicando a minha escolha.


Ermas e perfiladas
ergo-as ao sol na vertical
e são monótonas e dão sombra.


Com elas levanto quatro nuas
paredes, um tecto em forma
de prece. Dificilmente
construo uma casa fácil


Fácil é fazer difícil,
difícil fazer o fácil.


Rui Knopfli
Disseram-me que parasse, parasse
porque o movimento cansa.
Eu não quis parar
e caminhei na estrada
meus passos de esperança.
Disseram-me que chorasse, chorasse
porque a vida é dor.
Eu desatei a rir, a rir
como homem que endoidece
e cantei na estrada um canto libertador.
Disseram-me que fugisse, fugisse
porque a vida é tédio
e a rosa se floresce também murcha.
Quiseram vendar-me os olhos
para que eu não viesse, não viesse
Mas nos meus pés tinha olhos
e caminhei na estrada meus passos de esperança
até que esses olhos furaram a treva
até que entraram pelos tempos fora.
E tão perto de mim, tão perto de mim
como se fosse agora
eu vi as crianças louras
abrirem os braços aos meninos negros.

Vasco Cabral

Guiné-Bissau

Mar! Mar!

Mar! Mar!

Quem sentiu mar?

Não o mar azul
de caravelas ao largo
e marinheiros valentes.

Não o mar de todos os ruídos
de ondas
que estalam na praia.

Não o mar salgado
dos pássaros marinhos
de conchas
areias
e algas do mar.

Mar!

Raiva-angústia
de revolta contida

Mar!

Silêncio-espuma
de lábios sangrados
e dentes partidos.

Mar!

do não-repartido
e do sonho afrontado

Mar!

Quem sentiu mar?


(1962)

Arménio Vieira

(Praia, Santiago, Cabo Verde 1941-)

Em torno da minha baía

Aqui, na areia,
Sentada à beira do cais da minha baía
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva
caindo em torrente
sobre o cais desmantelado,
caindo em ruínas
eu queria ver à volta de mim,
nesta hora morna do entardecer
no mormaço tropical
desta terra de África
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
abrigados por um toldo movediço
uma legião de cabecinhas pequenas,
à roda de mim,
num voo magistral em torno do mundo
desenhando na areia
a senda de todos os destinos
pintando na grande tela da vida
uma história bela
para os homens de todas as terras
ciciando em coro, canções melodiosas
numa toada universal
num cortejo gigante de humana poesia
na mais bela de todas as lições
HUMANIDADE.

Alda do Espírito Santo
(S.TOMÉ E PRÍNCIPE)

Um Céu sem Anjos de África

À Guilhermina e ao Egídio

Detinha
a menina de cinco anos
tinha pai e tinha mãe
e tinha quatro irmãs, Senhor!

Detinha
a menina de cinco anos
tinha uma filha de retalhos de chita
e fazia duas covinhas de ternura na face
quando sorria, Senhor!

Detinha
a menina de cinco anos
tinha uma filha de ágeis pernas de pano
olhos brilhantes de cabeças de alfinete
e fulvos cabelos de maçarocas maduras
que a febre derradeira da Detinha
não contaminou.

Olhos cerrados suavemente
boneca Detinha dos seus pais
adormeceu de tétano para sempre
mãozinhas postas sobre o peito
um vestido de renda branca
mais um anjo nosso que partiu
no adeus silencioso de boneca
verdadeira num fúnebre berço branco
nossa Detinha tão pura na Munhuana
que até ainda não sabia que era mulata.

Oh! África!
Quantos anjos já nasceram das tuas Munhuanas de amor
e quantas Detinhas partiram para sempre dos teus braços
e quantos filhos inocentes deixaram o teu colo maternal
geraram rios e rios de lágrimas no teu rosto escravizado
e dormiram sem pesadelos na vasta solidão
de um coval mínimo de criança infelizmente
sem as duas covinhas na face
quando sorriam, Senhor?

E ainda não temos um talhão de céu azul para todos
e novamente uma África para amar à nossa imagem
num anjo verdadeiro anjo também cor da nossa pele
e da mesma carne mártir de feitiços estranhos
e o nosso sangue vermelho vermelho quente
como o sangue vermelho de toda a gente.

Para o tal céu de onde existe o tal Deus que não sabe
línguas de África línguas de África línguas de África
e só sorriem anjos de asas impossíveis de arminho
precisamente onde esse arminho só pode ser algodão de sofrimento
ainda não há lugar para meninas puras da cor
das meninas filhas e netas de mães e avós pretas
da nossa Detinha que partiu ainda boneca
e tão pura que ainda não sabia que era mulata.

E brinquedos de trapos não se misturam na Munhuana
com bonecas loiras de sapatos e tudo
porque os pais arianos rezando nas catedrais
não deixam, Senhor!

José Craveirinha
(1956)

É Proibido

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer,
Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se lembrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso,
só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

Pablo Neruda



A Paz das Palavras

Não procuro as palavras
mas a paz das palavras.
Como o actor que enfrenta mudo o palco
visto-me de silêncio e oculto sílabas
nas águas calmas do poema.
Cada breve clareira sobre um verbo
é uma janela que me devora mais um verso.

E assim da outra margem apenas sei o que não sei.
Possam os Deuses um dia enfrentar esta renúncia.

Paulo Ramalho in Ofício Imperfeito

Poema 1

Dizem-me que não há poesia na minha terra
Mas eu não me submeto!
A poesia nasce e faz-se.
É só sentir, querer,
Pegar e construir horas.
Dizem-me que não há poemas...
Se ser poeta é viver, amar, lutar
Nós somos poetas.
Se ser poeta é cair, levantar-se
E de novo caminhar,
Nós somos poetas.
Se ser poeta é ser-se livre,
Nós somos livres e somos poetas.
Se a poesia é sol ao alvorecer,
Nós somos poesia.
Se a poesia é rio, estrelas, montanhas
Em tempestades, natureza, ou céus
Despedaçados
Nós somos poesia.
E,
Se somos poesia...
É para vós os poemas que eu canto
Madrugadas do meu país
Poemas de dor e de riso em gargalhadas,
Poemas de força, poemas de mim.

Nagib Said
(Guiné-Bissau)

Ler

Ler sempre.
Ler muito.
Ler "quase tudo".
Ler com os olhos, os ouvidos, com o tacto,
pelos poros e demais sentidos.
Ler com razão e sensibilidade.
Ler desejos, o tempo, o som do silêncio e do vento.
Ler imagens, paisagens, viagens.
Ler verdades e mentiras.
Ler o fracasso, o sucesso, o ilegível, o impensável, as entrelinhas.
Ler na escola, em casa, no campo, na estrada, em qualquer lugar.
Ler a vida e a morte.
Saber ser leitor, tendo o direito de saber ler.
Ler simplesmente ler.

Poema de Edith Chacon Theodoro

Maio

Imagem de Margaret Ballif Simon

Mãe !
Mãe !
Vem ouvir a minha cabeça a contar história ricas que ainda não viajei!
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas !
Tinta cor de sangue, sangue ! verdadeiro, encarnado !
Mãe !
Passa a tua mão pela minha cabeça !
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens !
Eu vou viajar. Tenho sede ! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei,
tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe !
Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado !
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa.
Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe !
Passa a tua mão pela minha cabeça !
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade !

Leilão de Jardim

Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?

(Este é o meu leilão.)

Cecília Meireles