Disseram-me que parasse, parasse
porque o movimento cansa.
Eu não quis parar
e caminhei na estrada
meus passos de esperança.
Disseram-me que chorasse, chorasse
porque a vida é dor.
Eu desatei a rir, a rir
como homem que endoidece
e cantei na estrada um canto libertador.
Disseram-me que fugisse, fugisse
porque a vida é tédio
e a rosa se floresce também murcha.
Quiseram vendar-me os olhos
para que eu não viesse, não viesse
Mas nos meus pés tinha olhos
e caminhei na estrada meus passos de esperança
até que esses olhos furaram a treva
até que entraram pelos tempos fora.
E tão perto de mim, tão perto de mim
como se fosse agora
eu vi as crianças louras
abrirem os braços aos meninos negros.

Vasco Cabral

Guiné-Bissau

Mar! Mar!

Mar! Mar!

Quem sentiu mar?

Não o mar azul
de caravelas ao largo
e marinheiros valentes.

Não o mar de todos os ruídos
de ondas
que estalam na praia.

Não o mar salgado
dos pássaros marinhos
de conchas
areias
e algas do mar.

Mar!

Raiva-angústia
de revolta contida

Mar!

Silêncio-espuma
de lábios sangrados
e dentes partidos.

Mar!

do não-repartido
e do sonho afrontado

Mar!

Quem sentiu mar?


(1962)

Arménio Vieira

(Praia, Santiago, Cabo Verde 1941-)

Em torno da minha baía

Aqui, na areia,
Sentada à beira do cais da minha baía
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva
caindo em torrente
sobre o cais desmantelado,
caindo em ruínas
eu queria ver à volta de mim,
nesta hora morna do entardecer
no mormaço tropical
desta terra de África
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
abrigados por um toldo movediço
uma legião de cabecinhas pequenas,
à roda de mim,
num voo magistral em torno do mundo
desenhando na areia
a senda de todos os destinos
pintando na grande tela da vida
uma história bela
para os homens de todas as terras
ciciando em coro, canções melodiosas
numa toada universal
num cortejo gigante de humana poesia
na mais bela de todas as lições
HUMANIDADE.

Alda do Espírito Santo
(S.TOMÉ E PRÍNCIPE)