Creio no contador, como memória viva do amor e creio em seu filho e no filho de seu filho, porque eles são a estirpe da voz, os criadores da voz das vozes.
Creio no contador, concebido nos espelhos da água, nascido humilde, tantas vezes ignorado, porém nunca morto, porque sempre esteve entre os vivos congregando-os a ser: xamã, fabulista, guardião de experiências e memórias...
Creio na magia do contador que, desde os tempos tribais, acendeu na entrada das cavernas o primeiro fogo, reunindo em seu torno as estrelas, o assombro, o espanto, o tremor, a fé.
Creio nas suas mentiras fabulosas que escondem fabulosas certezas, no prodígio da sua imaginação que vaticina realidades insuspeitas, e também creio na fantasia das verdades e nas verdades da fantasia, por isso creio nas sete léguas das botas, na galinha dos ovos de ouro, e no gato único no mundo que ria do outro lado do espelho.
Creio nos contos que ouvi à minha mãe, como a minha mãe acreditou nos contos da minha avó, como a minha avó acreditou nos contos da minha bisavó e recordo a voz que me contava para afastar a enfermidade e o medo, a voz que recordava os conselhos entesourados que se passam de geração em geração.
Creio no direito de todas as crianças ouvirem contos; creio no direito das crianças que vivem nos adultos voltarem a ouvir contos; e mais, creio na responsabilidade de todos os adultos em ouvirem, inventarem e reinventarem contos.
Creio no gesto que conta porque na sua mão despojada está a história universal que vive em todo e qualquer ser humano. Creio no poder do conto e da poesia porque sem eles não haveria mundo, nem este seria reinventado, reorganizado e traduzido à medida de todos nós.
E porque creio...conto.
Creio que contar é defender a sabedoria, a ingenuidade e a força da indagação.
Creio que contar é partilhar a confiança, a vida, o poder, a beleza e a magia que desde sempre vive em nós. Creio que contar é tornar mais transparente a divindade nos homens.
E é por tudo isto que creio que contar É AMOR.
Adaptação do texto «Credo do Narrador Oral» de Garzón Céspedes
in O Quarto da Lua
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