Texto inédito de Beatriz Caetano

Com um apurado gosto pela literatura, pela música e pelas artes em geral, a Beatriz sempre demonstrou uma apetência natural para a escrita. Uma jovem afectuosa e de refinado sentido de humor que nunca nega um sorriso ou uma boa piada.
A Bia participou com este texto num concurso epistolar subordinado ao tema da Tolerância no Mundo. Trata-se de uma carta, escrita num ritmo empolgante e original. Vale a pena ler. Muitas felicidades e muita escrita.
O amigo Emanuel Lima




Vila da Esperança, dia de começar, do ano de agora

Exmº Sr. Alguém-Que-Podes-Ser-Tu,

Venho, por este meio, pedir-te um favor.
Estejas tu longe ou perto, não importa a caminhada, vou ao teu encontro, percorro esta estrada. Apenas te peço uma oportunidade: que me escutes com atenção e humildade.
Suponho que saibas quem sou. Sou aquela menina que agora acordou, que de súbito olhou o mundo e não gostou do que encontrou. Tu, como eu, não o queremos assim. Queremos igualdade e paz para ti e para mim.
Achas que seria pedir de mais que a cor fosse ignorada e o verdadeiro sentimento fosse a coisa mais respeitada? Que tal se a cor fosse insignificante e nos preocupássemos com algo mais importante? Que tal se o homem fosse mais tolerante?
Gostava de te sugerir que, por um dia, todos fôssemos iguais. Será que a atitude não mudava? Será que o nosso frio coração não passava a aceitar? Tenho tanta coisa para te perguntar…
E se por agora a religião fosse esquecida e a nossa causa fosse a união? E se todos os meninos do mundo tivessem uma vontade em comum? E se tanta vaidade se tornasse humildade?
Tens muito por onde começar, a missão está longe de acabar.
Se todos fôssemos mais tolerantes, talvez não houvesse crianças maltratadas, talvez não fossem tão exploradas. Se calhar tantas lágrimas não eram choradas, se calhar tantas atitudes eram evitadas. Talvez a corrupção não fosse a segunda opção, talvez a pobreza tivesse uma solução. Talvez optássemos pela união. Talvez… talvez? Tens resposta para esta questão?
Enquanto tantos sorriem, outros tantos choram, outros tantos agridem e outros imploram. Todos de costas voltadas, nesta pequena bola azul. E se nós chutarmos a indiferença? E se a nossa convicção for uma crença?
Tu tens esse poder … Faz cada um de nós crescer. Faz a tolerância acontecer. Queres um porquê? Eu dou-te o teu porquê: felizmente cresci, e eis que me apercebi… O mundo não era perfeito, grande parte dele a sofrer e eu sem nada fazer. Descobri então que todos éramos um nada, que todos estávamos separados, a lutar por objectivos disparatados.
Se o mundo fosse diferente, uma menina esquecida, num grito de apelo, numa ânsia desmedida, não tinha que escrever um texto a implorar que a prioridade fosse a tolerância, que o que nos move não seja a insignificância.
A verdade é que a oportunidade surgiu … Sei que nem todos falam contigo, sei que nem todos te tratam como um amigo, sei que nem todos conseguem pedir, mas eu peço, não vou fugir. Tenho uma folha na mão, escrevo-te tudo o que me vai no coração. Já não tenho vergonha de falar contigo, vergonha é a resignação, é voltar as costas a quem posso dar a mão. Não quero, outra vez, virar a cara, fingir que tudo está bem, quando alguns nada têm.
Agora que falei contigo sinto-me contente, podemos mudar as coisas falando no presente. O futuro é longe, é apenas um tempo verbal, não sabemos se correrá bem ou mal.
De tolerância em punho, vamos desfilar. O mundo que construímos? Passamos a apresentar: vejo meninas sorrirem de boneca na mão, vejo meninos desenharem um avião. Vejo a mulher respeitada nos direitos que merece e o seu homem amado logo que aparece. Vejo brancos e negros debaixo do mesmo tecto, lares multicolores onde reina o afecto. Para todos comida, para todos medicamentos, para cada um liberdade e alento. As armas guardadas e o rancor esquecido, o que passou… passou, é um inimigo vencido.
Junta-te a este cortejo e traz um amigo.
Caminhamos em frente, num todo unido. Todos remamos no mesmo sentido.

Então não te esqueças: agarra a oportunidade. Tolerância no mundo é a nossa vontade.
Por um mundo melhor, por ti que estás aí.

Com a maior esperança,

Menina número 973848234789838405...

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